terça-feira, 8 de abril de 2008

Tóxicos e crise da família


Todos os dias os meios de comunicação divulgam a ocorrência de assassinatos de jovens que, de alguma forma, estão envolvidos com o tráfico ou o consumo de drogas. De modo cada vez mais freqüente ocorrem chacinas, em que de uma só vez são eliminados vários jovens, de ambos os sexos. Os motivos para tanta violência são quase sempre os mesmos: ou a disputa entre traficantes que buscam o controle de um pedaço de cidade, ou a eliminação de consumidores que não pagam pela droga consumida.

Por outro lado, toda sorte de violências praticadas nas ruas, nos cruzamentos, nas invasões dos lares, tem como protagonistas jovens que, quando presos, confessam que são viciados em drogas proibidas. Roubam e matam sob ação de drogas e assim agem para obter os recursos com os quais vão adquirir mais drogas.


A população, justamente indignada e com a angustiosa sensação de estar indefesa, exige um comportamento mais duro da polícia e dos demais órgãos de Segurança. Clama-se por uma repressão mais enérgica e pela ampliação do sistema carcerário. São todas medidas que precisam ser tomadas e que, dentro do possível, estão sendo tomadas. Um exemplo destas medidas está representado pelo Programa de Construção de 21 presídios no Estado de São Paulo, com capacidade para receber 14.000 condenados pela Justiça.

Mas será que só medidas na área de Segurança Pública resolverão a escalada da violência, sobretudo naquela que é originada no binômio tráfico/consumo de drogas? É sabido que não, pois a origem dos problemas está mais na profundidade, vinculada à própria organização da sociedade moderna.

Muito tem-se falado e escrito sobre o fato de o desemprego ter alavancado a curva demonstrativa de consumo de drogas. Este desemprego, que está ocorrendo na atual fase do desenvolvimento industrial, é um fenômeno mundial, não apenas brasileiro. O consumo de drogas associado ao desemprego efetivamente aumenta em todos os países, independente da localização geográfica ou do estágio de desenvolvimento econômico dos mesmos.

Da ação policial, estamos necessitados. De uma solução para a questão do desemprego gerado pela nova fase vivida pelo capitalismo agrário e industrial, igualmente estamos necessitados.

Mas é preciso irmos mais ao fundo, mais abaixo, para trazer outros elementos essenciais que nos permitam avaliar corretamente o que está se passando. E uma das vertentes mais importantes, localizadas bem lá embaixo, é a desagregação da família.

Isto mesmo. A desagregação da família. A desorganização da célula elementar e fundamental de toda a estrutura social, a família, representa hoje um dos fatores mais importantes para que se crie o terreno propício onde vão crescer o consumo de drogas proibidas e a violência que este fenômeno gera.

Faço a afirmação alicerçada na experiência de 40 anos de vida profissional, como médico, em que vi acontecer de tudo. Encontro agora argumento que a revigora, resultante da leitura de um trabalho publicado na Revista de Saúde Pública, neste primeiro semestre.

O trabalho é muito consistente e estatisticamente conduzido de um modo irretocável. Foi feito na Escola de Saúde Pública do Rio de Janeiro, a qual mantém um setor de atendimento permanente aos usuários/dependentes de drogas.

A desagregação da família
respresenta hoje um dos
fatores mais importantes para
que se crie o terreno propício
onde vão crescer o consumo
de drogas proibidas e a violência
que este fenômeno gera.

Este setor é o "Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas". O trabalho foi publicado sob o título "Características da clientela de um centro de tratamento para dependência de drogas".

O Núcleo, fundado em 1986, tem como característica central "o atendimento ambulatorial psiconalítico aos pacientes, aliado ao tratamento medicamentoso, terapia da família, atendimento individual às mães, terapia ocupacional, encaminhamentos externos para grupos de mútua ajuda e para internação".

Já foram ou estão sendo atendidos pelo Núcleo 2.600 pacientes: 87,7% do sexo masculino e 12,3% do feminino. A média de idade no momento em que se iniciou o consumo de drogas foi de 17 anos, mas muitos adolescentes tornaram-se viciados ainda antes, quando estavam cursando as últimas séries do 1º grau escolar, aí por volta dos 13 ou 14 anos de idade. Para a maioria dos atendidos, a dependência de drogas foi iniciada antes do ingresso no mercado de trabalho e, inclusive, somente 7% deles informam terem se viciado por perda de emprego (não obstante, é claro que quando um pai se torna desempregado isto representa um forte impacto sobre a estrutura da família).

Já com relação ao papel do ambiente familiar, os números falam por si só. Os conflitos familiares crônicos foram relatados por 64% dos jovens, devendo-se destacar: pai ausente (50%); pais separados (36%); pai/mãe com companheira(o) (16%); filho adotado (5%); abandono da criança (14%); morte dos pais (14%); abuso sexual na infância, geralmente pelo pai (16%). Um, dois ou vários desses fatores estiveram presentes na vida da criança/adolescente, marcando e influindo negativamente em sua formação, tornando-a presa fácil dos incentivadores do consumo de drogas. Os números apresentados pela Faculdade de Saúde Pública do Rio de Janeiro são muito significativos e levam inevitavelmente a duas conclusões: a primeira é que não se pode enfrentar adequadamente o problema do consumo de drogas e da violência, sem aprofundar a discussão sobre o papel importantíssimo desempenhado pela desagregação familiar. E, segundo, que já é chegada a hora de recuperar para a instituição familiar o papel de célula-mater de organização social.

Nelson Guimarães Proença
Médico, ex-presidente da APM, Associação Paulista de Medicina, e
ex-presidente da AMB, Associação Médica Brasileira.

15/07/2007

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